segunda-feira, 5 de maio de 2014

E só porque eu precisava escrever

Então...
Comecei em Janeiro do ano passado a escrever uma história, que hoje tem 180 páginas escritas de puro arrependimento. Não gosto da história por vários motivos e não achei que goste, então ela está arquivada para futura edição.
Mas a base dela era algo que eu queria muito escrever, e acabei não chegando nesse ponto, e como eu queria muito, acabei escrevendo mesmo assim. Aqui o trecho que eu queria tanto escrever, ainda sem correção ou edição, nu e cru.



Damon tateou a parede da caverna, iluminando como podia com sua pequena lanterna, que Harry desconfiava ser uma caneta com dupla função. De repente, o garoto pareceu achar uma abertura na parede, de onde tirou um obejto. Então, se sentou. Harry sentou-se ao seu lado. O objeto em questão se acendeu e iluminou razoavelmente o salão gigantesco, e o lago no fundo. Era razoavelmente oval, com diversas estalagmites de calcáreo. Eles sentavam-se numa espécie de mezanino, com direito à visão privilegiada do salão todo. Harry não conseguiu deixar de se sentir extremamente pequeno. Vazio. Insignificante. O som era limitado, a luz mais ainda.
— Aqui foi onde eu melhor entendi o conceito de nada. Pense na escuridão. No silêncio. Dificilmente vai conseguir imaginar isso. Nós não nos acostumamos com esse conceito. Mas aqui…
Damom apagou a lanterna maior. A menor já estava desligada. A luz se foi com o clique do botão. O garoto também não mais falava, e sua respiração era baixa demais pra se ouvir. Era apenas nada. O ar não se movia. Podia pôr a mão na frente do rosto, e não veria nem a penumbra de seus dedos. Não ouvia nada. Não sentia nada. Harry, naquele momento, apenas existia.

— Nada acontece. Mas ao mesmo tempo, tudo acontece. As leis ainda existem, mesmo sem que ninguém esteja ali pra ver. O Universo ainda se constrói. Os planetas agem obedientes às leias da Física. Massas gigantescas que nós sequer somos capazes de compreender, dançando valsa no Universo sem música. Moldando. Acontecendo. Milhões, bilhões, trilhões de galáxias dançando sob o as ordens de números que não existem. Sob uma regra absolutamente inquebravel. Rochas se chocando no vácuo, formando planetas. Reações químicas no calor de uma estrela. Átomos, que estão pouco se importando se nós o compreendemos ou não, chocando-se, transformando-se. Indo a distâncias gigantescas para formar á água, para formar a rocha, as plantas. E então temos reações biológicas, e tudo seguindo as mesmas leis, as mesmas regras do universo. Evoluindo, expandindo, aprendendo, adaptando-se. Formando vida. Vida, Harry. A vida é outro mistério que me faz desejar que haja um deus pra me tirar essas dúvidas. Nós somos feitos da mesma matéria que seres não viventes. Mas nós evoluímos. Das moléculas reagindo numa poça d'água nós viramos seres que extraem celulose da madeira, e fazemos lápis e papel pra calcular nossa própria existência. Pra traduzir a vida em matemática. Pra traduzir o Universo em leis. E essas leis existem. Elas estavam aí sempre. E agora nós as entendemos. Nós sabemos que também obedecemos a tais leis. E brincamos com elas. De moléculas reagindo na poça d'água, nós desenvolvemos pensamentos, sentimentos. Nós evoluímos para reagir à reação de oxitocina e dopamina e traduzi-la como amor. Pense em quão insignificante nós somos, Harry, pense em quão pequenos. Uma anã branca pode existir por mais de cem bilhões de anos. Existem estrelas que fazem o Sol parecer um átomo perto delas. E nós somos um átomo perto do Sol. Mas, Harry, nós somos mais do que isso. Nós somos mais do que moléculas reagindo, nós somos tradutores da existência. Nós somos poetas, nós somos vivos. Nós somos únicos, a menos que se prove que existem multi universos com vários de nós, mas neste Universo e nessas leis, nessa realidade, você, Harry, e os seus sentimentos, e a combinação de DNA que te forma, é única. Fica difícil imaginar que, se há mesmo um deus, com tudo isso que existe, ele vá se preocupar com quem desperta suas reações de amor, quando o amor é, por si só, algo muito superior. É realmente muito narscisita do ser humano achar que com tanta grandeza no Universo, ele, um ser insignificante, pode deixar seu querido deus triste. A existência do amor, no entanto, é mais bela que todas essas leis. Porque nós conseguimos traduzi-lo em química, biologia, matemática, física. Nós conseguimos explicá-lo através da evolução, das leis de sobrevivência e de reprodução Nós conseguimos entender padrões de atração. Nós conseguimos desmontar as reações que nos levam a suar frio, a ficar nervoso. Nós traduzimos o amor, mas não há quem o entenda, porque nós somos um amontoado de átomos formando moléculas, formando tecidos, órgãos, sistemas, um organismo plenamente funcional capaz de racionalidade, e esse conjunto de átomos, que nasceu dentro de uma estrela e hoje me forma, reage para estar atraído, não química, não física, não químicamente. Este conjunto de poeira estelar que me forma ao acaso, também por acaso, está irremediavelmente preso às reações de oxitocina e dopamina que se formam em meu cérebro. Se há esse deus, eu também quero perguntar se era de seu objetivo que o Universo começasse numa explosão e convergisse em tempo e espaço, para formar nossa galáxia, nosso sistema solar, nosso planeta, os elementos químicos em proporção correta, a vida, a evolução, bilhões de anos de reações, cultura, relações, pra permitir que um dia eu pudesse te trazer aqui, Harry, e dizer que lhe amo, e que se há multiversos, nestes eu também, provavelmente, lhe amo. E em outras linnhas temporais, te amei e te amarei.