As pessoas caminham nas ruas, sem notar o outdoor, a propaganda luminosa que os afeta. Não é um produto daquela cidade, daquele estado, muito menos daquele país. Nem precisamente de algum outro. Pode ter vindo da China ou dos Estados Unidos. Pode ter vindo de ambos.
Um executivo bem sucedido, passa pelo local sem perceber, pois está ocupado demais ao telefone, falando com alguém do Canadá. Porém, senta-se à mesa de um pequeno pub e pede o refrigerante anunciado em letras gritantes no outdoor.
A mulher que o atendeu foi contratada ontem, para substituir uma senhora que trabalhava ali há alguns anos. A jovem usa um tênis caro, que seu dinheiro não poderia comprar sem antes abrir mão de certas coisas. Tem tecnologia de ponta, o melhor desta semana.
A loja onde o sapato foi comprado tem nome em inglês. É moderna para atrair jovens consumidores. Considerada comércio de luxo, nenhum dos empregados pode comprar grande parte dos produtos que vendem. Trabalham as oito horas diárias, não para comprar um tênis, mas para dar de comer aos filhos. Filhos, que não sabem traduzir para a língua nacional, o nome da loja onde seu pai ou sua mãe trabalha.
O jovem que pode comprar esses tênis é filho do executivo. Não precisa pedir muito para que o pai mande comprar qualquer sapato ou roupa que o adolescente queira. Antes de ir à escola no dia seguinte, ainda comunica ao amigo dos Estados Unidos, em inglês, através do MSN sobre seu novo e avançado calçado, que é igual ao do amigo, porém com uma cor diferente. Podem comprovar essa diferença instantaneamente pela web can. O jovem acha ridículo o carnaval e nunca ouviu Bossa Nova. Também não faz a mínima idéia do que significa MPB. Mantém o Ipod ligado o dia todo, ouvido rock americano. Assim como um jovem de classe média o faz no computador, porém, sem entender uma única palavra.
Um garoto dos EEUU que ouve o mesmo rock dos adolescentes do Brasil mora próximo à cidade onde o tênis caro foi projetado por centenas de pesquisadores. Mas no local apenas o projeto é feito, pois o produto mesmo é produzido em algum outro país sem nome, longe das capitais mundiais. Em qualquer lugar onde 90% da população não possa comprar o mais barato dos produtos com o salário que ganha produzindo-os.
O dono desta empresa mora em Miami desde a última grande alta. Um des seus sócios do Brasil acaba de fechar negócio com uma fábrica em crescimento contínuo na França que produz perfumes caros com matéria prima oriunda do próprio Brasil, onde bóias frias são demitidos e substituídos por máquinas com os dizeres “Made in Taiwan” para colher soja. Esta será exportada em toneladas para qualquer outro país, como o Japão. Que provavelmente criará algum produto com esta soja e o venderá de volta ao Brasil por um preço que os operadores das máquinas que colheram a soja não podem pagar. Os trabalhadores embalaram o produto passam fome em algum outro lugar do mundo que grande parte da população não conhece. Não podem sequer comer o lanche que os adolescentes de hoje comem ao ir ao Shopping, acompanhando o produto que nomeou esta geração. O mesmo produto que foi anunciado alguns metros dali num outdoor. Da mesma empresa que o executivo que comprou o perfume caro para sua mulher, comprou ações. Onde todos usam ternos caríssimos, produzidos por máquinas que colocaram na rua, milhares de pessoas, que não podem compra uma dezena de coisas. E assim, um círculo contínuo, um emaranhado de relações, onde nem todas elas estão realmente à mostra.
A Globalização é boa para os beneficiados, uma pequena parte da população mundial. Porém, essa parte limpa e que nos trás orgulho de ter um produto importado é a única que os mais nos permitimos ver. O capitalismo e o sentido de nação simplesmente nos parecem idéias simples e inquestionáveis. Aos que não são beneficiados, há uma distância tão grande que simplesmente não são capazes de enxergar tão longe e ver de onde vem a falta de comida e o trabalho escravo pelo qual passam. Os únicos que podem ver isso tudo e os efeitos da Globalização são aqueles que a produzem e sem o mínimo interesse de perder este poder.
É fácil e confortável se deixar cegar e ser guiado por outro alguém. Mas não se percebe esse alguém que segura uma das suas mãos usando a outra para tampar-lhe os olhos.
Texto feito pra uma aula de História da sétima ou oitava série, em 2005 ou 2006, quando mudar o mundo fazia parte dos planos.
- Analu
Texto feito pra uma aula de História da sétima ou oitava série, em 2005 ou 2006, quando mudar o mundo fazia parte dos planos.
- Analu
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