“Eu fui derrotado?”
“Sim, você foi derrotado. Não é um pesadelo do qual acordará. Seu castelo e território não mais lhe pertencem. E os servos de seus seguidores estão mortos. Ela não pertencerá a você novamente também. Não lhe resta mais nada! Pobre rei sem vida, não lhe resta nada!”
Ela não pertencerá a você também...
Que maldição... A praga de um mestre.
Quando minhas palavras saíram junto ao meu sangue, não creio que o senhor Van Hellsing tenha entendido. Não me foi um lamento. “Eu fui derrotado?” não foi uma conclusão, uma constatação, muito menos uma pergunta. Foi um espasmo de alegria. Eu finalmente havia entrado numa guerra que não podia vencer. Maravilhoso…! Fui derrotado por um homem e isso não podia ser de outro jeito. Foi glorioso, inexplicável, eu me senti bem em ter minha vida passada às mãos de tão honrado humano. E o servi a partir de então como lixeiro. Entrava em suas guerras e matava seus inimigos – todos vampiros como eu - em troca de nada. Era seu escravo. Minha lealdade chegava a pontos extremos e me orgulho disso. Humanos são as criaturas mais fantásticas desse mundo.
Pra mim… tudo isso não significava grande coisa. Fui derrotado. Perdi meus servos, perdi minhas forças, minha liberdade, território, castelo… minha vida. E ainda assim não significava nada.
Só havia uma coisa com a qual me importava nisso tudo. Talvez o motivo de minha derrota.
O que é ser um lixeiro a serviço dos humanos? Eu, que vi eras e eras passarem pelos meus olhos, senti o gosto do sangue de milhões de soldados, vi vidas esvaírem-se no campo de batalha. Eu, que trabalhei, após ser derrotado, como um escravo, mestre após mestre, matando minha própria raça, a serviço da raça que me derrotou. Eu, com mais de quinhentos anos de monstruosidade ainda não sei o significado de minha ausência de liberdade.
Sento-me em meu quarto, nos porões da organização, a beber meu sangue medicinal, como um cão comendo a ração oferecida, que lhe dão no lugar da carne que realmente deseja comer. Fico a esperar, ansiosamente, a próxima missão, na esperança de uma guerra, mais alguma guerra que vá esquentar meu sangue frio. Preso não por correntes, mas por lealdade. Eu poderia sair daqui, em pleno dia se quisesse – pois nem o Sol me aprisiona mais – e destruir tudo em meu caminho. Mas não. Minha liberdade infinita me restringe a isso.
E realmente não me importo. Humanos são mais fortes que monstros. A prova disso é que eu me tornei um monstro quando fui fraco demais para aceitar a dor humana.
Este é meu fardo.
E se eu pensar bem, ainda tinha muita coisa na verdade. Ainda era o vampiro mais poderoso, o mais honrado e qualquer outra coisa parecida. E meu poder só vem crescendo com o passar dos anos. Após um século dessa prisão, esperando em silêncio o nascimento de minha condessa, eu era simplesmente o que chamariam de imortal. Não creio que o senhor van hellsing hoje saberia como me derrotar. Ou mesmo qualquer outro vampiro. Eu já possuía milhões de exércitos dentro de mim. Tinha um poder infindável. Mas tinha isso. Toda minha liberdade espremida nas mãos de uma única pessoa.
Ela ali, me olhando, me fez pensar nisso tudo. Ainda mais depois de tanto tempo sob seu comando. Ela tinha olhos azuis, que praticamente me castigavam. Eu desejava torná-los vermelhos. Mas por mais que eu desejasse, por mais que eu quisesse com toda minha enorme força, isso só aconteceria se ela quisesse.
Minha senhora Integra Fairbrook Wingates van Hellsing. Que me fez refletir sobre minha existência e minha liberdade, que se encontrava em seu olhar. Eu era muito mais poderoso que ela. Ouso dizer, muito mais inteligente, sagaz e qualquer coisa que meus quinhentos anos a mais de vida pudessem me fazer. Tirar sua vida seria em questão de minutos. Eu lhe daria um tiro, tomaria todo seu doce sangue que provei dez anos atrás e jamais esqueci, e sairia dali, daquela prisão. Faria um banquete com os soldados, tomaria a policial como parte de meu corpo e me deitaria na noite, iluminado pela lua. As guerras jamais acabariam, eu lutaria, enfrentaria o vaticano e o demônio, quem quer que fosse. EU me tornaria o próprio demo. Ah… Meu corpo todo treme só de pensar nessas possibilidades, e meu sorriso, que Integra certamente considera mórbido, me escapa dos lábios novamente.
Ela me encarou como se perguntasse o motivo de minha excitação. Eu ri, me senti um tanto tolo. Não importava nada disso que eu tinha pensado. Nada importava. Nem meus quinhentos anos de vida.
É… eu poderia ter quanto sangue eu quisesse… e poderia voltar a ser Drácula, ter minha liberdade, meus servos, meu respeito.
Mas esse tênue laço que me fazia servo e bicho de estimação daquela mulher me fazia o homem mais feliz do mundo.
Integra… talvez por ter minha vida em suas mãos… ela era tudo que importava.
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