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á quem diga que o
tempo cura feridas. Que não há melhor remédio que o tempo. Que o tempo é o
senhor de tudo. Uma entidade passiva e ativa, que modifica, mata, destrói,
cria, renova e melhora. Algo inventado pra que as coisas não aconteçam umas
sobre as outras, mas organizadamente. E não há nada maior que o tempo. Não há
nada que o supere. Pois estava aqui antes de qualquer um. Sempre houve o tempo.
E sempre haverá tempo. Do início de tudo ao fim dos tempos e o que quer que vier após. O tempo, que dá
oportunidades desiguais, que dá um pedaço de si a cada pequena coisa que
existe, seja vivo ou não vivo. Um prazo de validade, um limite de existência,
diferente para cada coisa. E tudo deve acontecer de acordo com a vontade do
tempo. Quando o pedaço de existência se esgota, a vida se acaba, e não deve
continuar, pois isso é roubar do tempo. E o tempo tem seus próprios meios de
reaver o que lhe foi roubado.
O
tempo que dá a vida também a tira.
O
tempo não dá nem tira sem motivo. O tempo não cria nem destrói sem motivo. Cada
ser vivo ou não vivo que teve sua existência no tempo é crucial. O tempo é só
um escritor, e a criação é seu livro. As coisas não vivas, seu cenário. As
coisas vivas, seus personagens. A diferença é que todos os personagens, um dia,
morrem.
E
em 8 de Outubro de 2012, 13,3 bilhões de anos após o início do Universo, 4,5
bilhões de anos depois da criação da Terra, 200 mil anos após o surgimento do
ser humano anatomicamente moderno, 10 mil anos após a invenção da escrita, 2012
anos após o ano 0, 223 anos após o início da idade contemporânea, 15 anos, 4
meses e 2 dias anos após o dia mais feliz da vida de Megan Darwin, o tempo
emprestado a Harry Darwin havia se esgotado.
O
tempo é realmente relativo.
Para
um homem que viveu cem anos, 3 minutos é relativamente pouco.
Para
Harry Darwin, 3 minutos parece-lhe a eternidade. Pois esse foi o tempo que o
garoto de 15 anos permaneceu debaixo d’água.
Harry
era capaz de permanecer 2 minutos sem respirar, um pouco mais que a média. O
corpo, no entanto, gasta muito mais oxigênio quando se move. E principalmente
quando se debate. A adrenalina produzida em situações de risco nos torna aptos
a fazer o necessário para fugir. Então quando Harry se viu a 2 metros da
superfície do lago, preso a uma planta após um minuto submerso, a injeção de
adrenalina em suas veias o fez se agitar de tal forma que com dois minutos, o
sol de 4,5 bilhões de anos que lançava sua luz sobre o garoto de 15 anos,
passou a ser um borrão brilhante, a medida que os raios que penetravam na água
já não mais penetravam seus olhos. O cérebro foi lentamente apagando, os
pulmões imploravam por oxigênio. A sensação de desespero foi se acalmando, a
dor e os litros de água sendo engolidos foram se tornando passado. Sua mente se
apagava rapidamente. Harry imaginava o que sua mãe pensaria. Talvez seu pai
sequer chorasse. Mas sua mãe choraria. Quanto tempo demoraria para acharem seu
corpo? Todos sabiam que ele gostava de treinar no lago quando a piscina estava
fechada. Talvez não demorasse muito.
Tomara que me achem logo. Que
meu corpo não fique muito deteriorado até lá. Tomara que minha mãe possa se
despedir de mim. Que ela não sofra muito. Que ela não ache que foi culpa dela.
Que ela saiba que eu a amo.
Eu gostaria de viver mais. Eu
gostaria de ter feito muito mais. Eu gostaria de ter orgulhado meus pais.
Eu gostaria de ter uma segunda
chance.
E
este foi o último pensamento de Harry Darwin, antes que alguém saltasse ao seu
lado. O vulto soltou a planta de seu tornozelo, mas o garoto de 15 anos não
boiou. Seus pulmões estavam pesados de água. A consciência se foi e só voltou
quando estava deitado sobre a grama, tossindo o que lhe pareceram litros e
litros da água do lago.
Abriu
os olhos por segundos. Só tempo suficiente de ver um jovem, aproximadamente a
mesma idade que ele, segurando seu rosto firmemente. Estava encharcado. As
gotas d’água escorriam de seu cabelo negro e encaracolado, misturando-se a um
mar de lágrimas que pingavam de seus olhos sobre o corpo de Harry. Seus lábios
tremiam. Não de frio, mas de desespero.
-
Perdão – o garoto murmurou, e apertou Harry num abraço que o adolescente provavelmente
só recebera igual no dia de seu nascimento.
E
os olhos de Harry se fecharam sem ver que ainda havia uma terceira pessoa
observando a cena.
A
partir deste dia, Harry Darwin tornara-se um criminoso.
Segundo
após segundo, minuto após minuto, dias, semanas, meses, anos. Cada momento de
sua vida após o dia 8 de Outubro de 2012 era um crime contra o tempo.
Porque
neste dia, por culpa de Harry Darwin, alguém morrera antes de seu tempo.
La Douleur Exquise - the exquisite pain of wanting someone that you know you can never have, and knowing that you will still try to be with them.